O tubarão aprisionado
O tubarão aprisionado
A brincadeira começou com uma das crianças (vou chamá-lo aqui de João) se envolvendo com os tecidos e logo estávamos fazendo parceria contra algo muito grande. Foi quando o João falou: “sou um tubarão, estou no meio do oceano”. Estendemos os tecidos no chão para que eles representassem o mar, eram tecidos em tons de azul e branco e o “tubarão” era forte, grande e tentava nos pegar. Foi então que iniciamos uma caça ao tubarão. Criamos algumas estratégias para capturá-lo, mas era realmente muito difícil de pegá-lo e parecia não gostar de estar preso, pois escapava com muita facilidade. Foi então que percebi algo naquele movimento espontâneo: querer sempre escapar e a angústia de estar preso. E durante o resto da brincadeira ficamos na tentativa de prender o tubarão e o João na tentativa de não se deixar prender.
Em nossa roda de reflexões, falamos do prazer de brincar, de como o tubarão era forte e poderoso e então eu perguntei: “Mas João, me pareceu que você não gostou quando a gente tentou te prender.” E ele falou: “É que quando eu estou sozinho parece que eu estou numa prisão.” Foi revelador ouvir uma criança de 7 anos conseguir falar de si com tanta propriedade, com tanta certeza. Continuamos a conversar e ao longo de suas colocações João revelou situações em casa onde faltam conversas, cada um em seu quarto e poucas situações em que a interação familiar estivesse presente. Nesses momentos o vazio toma conta e gera nele um sentimento de estar aprisionado.
Acolhi o João com muito amor, atenção e escuta, pois talvez isso o faça sentir-se livre. Foi um momento de muita emoção na sessão e de entender cada vez mais a importância da afetividade entre os familiares, de sentar e ouvir seus filhos, perguntar como foi seu dia, sentar juntos à mesa para fazerem refeições, de ler um livro, dar boa noite com um beijo na testa e terminar o dia com “Eu te amo meu filho”.